sexta-feira, 29 de abril de 2022

ALUCINAÇÃO


Fiquei contente com a última página do livro e, assim que o teatro acabou e a cortina se fechou pela última vez, não molhei mais o dedo para passar a última folha. O cinema esvaziou rapidamente tal como o estádio de futebol. Fiquei contente por ter alta. O médico diz que já estou curado e que a demência é apenas uma parte de mim a libertar-se para escrever. Mais um livro, mais uma peça, mais um argumento, mais uma regra para alterar a forma de eu jogar…

Tenho fome de loucura e alimento-me todos os dias muito bem! Uma gula incontrolável que não consigo fazer parar! Ontem roubei mais um sinal de trânsito, mas não resultou. Continuo em excesso de velocidade por caminhos absurdos que me revelam e não me devolvem.


Dou voz às letras, corpo e alma às palavras, com as quais componho suaves melodias que os pássaros cantam ao alvorecer. O sol vai espreitando tímido, através de uma nuvem enviuvada! A mesma que de quando em vez, vai deixando cair umas lágrimas por não te ver. É Outono e as folhas soltam-se deixando as árvores desnudas, bailando sobre a mais leve e suave viração que exala a mais doce e intensa fragrância, o teu perfume…

O mesmo que serpeia ao meu redor todos os dias, todas as noites, a todo o instante extasiando todos os meus sentimentos e sentidos. Fazendo-me deambular nos mais profundos devaneios, da tua ausência.


Depois voltei a ficar contente. A página não era a última apesar de não haver mais nenhuma e o argumento teatral ficou confuso. A malta do teatro cruzou-se com a do cinema que tinha igualmente acabado de assistir a um filme qualquer e o argumento ficou ainda mais confuso. O médico diz que é normal todas estas coisas e que são tudo efeitos secundários de quem escreve alcoolizado. Não consegui argumentar. A fome de loucura é cada vez maior e não tenho forma de a contrariar. Já me falaram de uma banda mental semelhante à banda gástrica, mas duvido que funcione. A voz que dou às letras transforma-se em gritos e são folhas e mais folhas de riscos malfeitos que pouco ou nada têm a ver com as letras do alfabeto. E depois a tua ausência piora ainda mais as coisas…


Nos silentes gritos desta ébria viagem onde as letras ganham voz, os pássaros cantam melodias e os sinais de trânsito são roubados por argumentos confusos, vou tentando saciar esta incomensurável fome de loucura que me consome. 

Acabei por ser autuado! 

Não só pelo excesso de velocidade, mas também porque além de escrever alcoolizado, conduzia assim também! 

Por sorte não acabei detido, graças ao atestado médico… 

De volta ao teatro onde se abrem as cortinas novamente para mais uma peça, em que o argumento é sobre a demência da minha alma na tua ausência! 

Onde nela viajei por caminhos absurdos que me revelam, esperando que me devolvas.


Escrita a duas mãos por :

João Dordio & Márcio Silva

https://www.facebook.com/MarcioSilvaAuto/ 


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